quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Última parte da história de Maria Rosa

Ela lagrimou e cochilou. Porém, o companheiro, da sala, gritava

Por Jaqueline Corrêa / Foto: Thinkstock 
jaqueline.correa@arcauniversal.com

Maria Rosa entrou abatida pela porta. Abaixou a cabeça, e o cabelo maltratado logo cobriu o rosto. A colega à frente, como sempre fazia, fingiu não ver nada. A essa altura, acreditava que a discrição seria a sua aliada. E, assim, ambas ficaram mudas, cada qual em seu trabalho, atentas, pelo menos, o máximo que podiam.

Em casa, Daniel segue folgado. Quando a porta se abre, não lhe apetece mudar a postura, e permanece esparramado no sofá, sem camisa, pés na mesinha de centro, com um cigarro na mão e uma lata de cerveja na outra. Maria Rosa abre a porta já esperando ver a mesma cena de vários dias.

– Chegou cedo hoje... O que aconteceu? – Ironiza Daniel, sabendo que o motivo da mulher chegar cada dia mais cedo em casa tem a ver com o medo que ela tem de suas ameaças.

Maria Rosa, há muitas semanas já havia perdido a vontade de ser aquela mulher reerguida da traição, decepção e falta de perspectiva. Mas bastou uma brecha para que o coração voltasse a dar as cartas. Dominada pela cegueira e pela paixão, não percebeu que aos poucos estava retomando o seu passado de sofrimento invisível de quando ainda era casada.

Mas já convicta de que havia feito a escolha errada, como iria sair daquela cilada? Maria Rosa Bárbaro, outrora tão imponente e radiante, agora estava abatida e amargurada. Seguiu da sala para o quarto, guardou a bolsa, tirou os sapatos e, por um momento, deitou-se na cama. Começou a lembrar-se de quando reconstruiu sua vida e se deixou encantar por Daniel. Lagrimou e cochilou. Porém, o companheiro, da sala, gritava:

– Rosa, vem logo servir o meu jantar!

De um estalo, ela levanta. A cabeça gira de tanta dor. Vai para a cozinha e prepara a refeição. Meia hora depois – porque Daniel não tolera esperar – o jantar está posto.

– É isso o que você tem para servir...? – ele a olha furioso. – Essa comida tá horrível!

– Foi o que deu para comprar... – ela tenta argumentar.

 Nervoso pela resposta inesperada, Daniel vai mais fundo:

– Você quis me sustentar, agora dá o jeito de me oferecer o melhor!

– Eu quis lhe sustentar? Você foi quem decidiu por conta própria abandonar o emprego. Somos duas pessoas vivendo de um único salário... E a vida que você quer levar... Sinto muito, não tenho como bancar! Está insatisfeito com a comida? Está insatisfeito comigo? Então pode ir embora!

Sentindo-se ofendido, Daniel corou de tanta ira. Não esperava a reação enérgica de Maria Rosa, que sempre se sujeitou às suas ordens e ouvia calada as afrontas e humilhações. Sempre suportou silenciosamente as agressões físicas e verbais do namorado.

Daniel, que pela personalidade forte e caráter duvidoso, não poderia demonstrar intimidação ou recuo, avançou para cima da mulher. Ela bem que tentou, inutilmente, se defender, mas foi em vão e para o próprio desespero.

Depois de ficar com o rosto inchado pelas bofetadas e com o corpo dolorido e cheio de hematomas pela surra, Maria Rosa foi colocada no quarto escuro, amordaçada com um pano, amarrada com cordas e desacordada.

– Agora você vai ficar aí até o dia que eu quiser, pra deixar de ser atrevida e querer me afrontar!

No trabalho do dia seguinte, os colegas mais distantes não sentiram a sua falta. Mas a da frente de sua mesa sim. Já consciente de que poderia estar acontecendo algo ruim, ela foi até a casa de Rosa, depois de inúmeros telefonemas frustrados.

Daniel não abriu a porta. Fingiu não estar ali até que ela fosse embora. Mas, percebendo que a situação poderia se complicar para o seu lado, e mais pelo medo de ser preso do que por remorso, decidiu sumir dali.

Maria Rosa, do quarto, tentava pedir socorro. Estava ferida, sem forças e muito fragilizada. Viu e ouviu Daniel pegar roupas, documentos e até dinheiro da bolsa dela. Por um momento, regozijou na alma. Finalmente estaria livre dele; mas, e se resolvesse voltar e terminar de matá-la? E se ele a deixasse trancada ali para sempre? E se ninguém sentisse a sua falta e lhe socorresse?

As quatro pétalas da Rosa

Maria Rosa já estava delirando. Sem comida e água por quase 2 dias, sentia o estômago doer, o corpo reclamar, a cabeça rodar. Ela o olhava pedindo clemência, mas Daniel não costumava ser misericordioso. Então, trancada e sem contato com o mundo exterior, só esperou morrer logo e acabar com o sofrimento.

Dois dias depois, a colega de trabalho preocupou-se ainda mais. Sem ver Maria Rosa, decidiu procurar ajuda.

– Há 2 dias ela não aparece para trabalhar... – conta ao chefe.

– Tem certeza? Já tentou ligar para ela. Quem sabe se não está doente?

– Já liguei várias vezes e nada! Mas acho que se estivesse doente, pelo menos ligaria para avisar ou atenderia as minhas ligações. Pra mim, isso tem a ver com o Daniel. Depois que eles começaram a namorar, ela mudou muito...

– Vamos com calma. Não podemos afirmar nada. Vai ver viajaram... O Daniel sempre foi um cara legal, mas também irresponsável. Não duvido que ele a tenha influenciado a viajar...

– No meio da semana? Tenho certeza que por mais que ele tenha proposto isso, ela se recusaria...

– É, mas não se esqueça de que ele abandonou o emprego e, mesmo assim, a Maria Rosa faz vista grossa pra isso...

– Mas isso não vem ao caso agora. O mais importante é saber onde ela está.

– Já tentou os parentes dela?

– Não conheço ninguém. Parece-me que ela não tem familiares na cidade...

– Bom, neste caso... Se ela não atende ao telefone, o namorado não responde, e como você diz que ela estava muito abatida na última vez que você a viu, é melhor procurarmos a polícia mesmo.

Depois da ocorrência, seguiram para a residência. Já era noite, e a rua tranquila de casas fechadas e moradores discretos assinava o cenário ideal para um crime sem testemunhas.

Após as tentativas mal-sucedidas da campainha, a polícia invade a casa. E na completa escuridão, policiais e colegas de trabalho chamam pelo nome de Maria Rosa. Quando acendem a luz, encontram a comida em cima da mesa já apodrecida e ambiente desarrumado.

E Maria Rosa, no quarto, na mesma posição de quando fora deixada, ainda a pouco mantinha a insuficiente esperança, que definhara completamente antes de poder ser alcançada.

 

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