domingo, 12 de julho de 2009

ENTREVISTAS: Nair Ávila dos Anjos - “Só desisto se me matarem”




Por Daniel Santini
daniel.santini@folhauniversal.com.br


O advogado e ex-vereador Manoel Bezerra de Mattos Neto (PT/PE) foi executado na noite de 24 de janeiro de 2009, em Pitimbu, na Paraíba. Levou um tiro de espingarda no peito e um na cabeça e morreu na hora. Quando foi assassinado, Mattos tinha 44 anos e um histórico de defesa dos direitos humanos e de denúncias de grupos de extermínio e milícias que atuam na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Hoje, familiares tentam, com a ajuda da organização não- governamental Justiça Global, fazer com que o caso passe a ser julgado por autoridades federais, já que há suspeita de envolvimento das autoridades locais nas quadrilhas que Mattos vinha denunciando. A mãe, Nair Ávila dos Anjos, já pediu até que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva intercedesse. Ela conta que hoje vive presa, escondida para não ser morta, enquanto os assassinos permanecem livres e impunes.

1 – Tudo bem, dona Nair?
Não, não estou nada bem. Tem várias pessoas sendo ameaçadas por aqui e os homens que mataram meu filho estão soltos. Eles têm armas de grosso calibre e estão ameaçando o pessoal. O soldado que deveria estar preso tem jogado bola sem camisa em frente ao quartel. O outro vai ser solto. Uma pessoa que eu conheço e foi ameaçada tentou registrar boletim de ocorrência, mas não quiseram fazer, alegando que ele não tinha testemunhas. A situação é crítica.

2 – A senhora sofreu ameaças?
Já, muitas. Há uns 15 dias teve uma, mas não adianta nem tentar registrar. Não posso dar o endereço para ninguém porque, enquanto os assassinos estão soltos, eu estou presa. Tenho que ficar escondida dentro de casa. Quando saio na rua, sempre vejo motos por perto com sujeitos estranhos. Mas não tenho medo, falo com toda a honestidade. Meu filho, que era a coisa mais preciosa que eu tinha na vida, morreu. Podem me ameaçar do jeito que for, agora.
3 – A Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou, em 2002, que o Governo brasileiro protegesse Mattos. Houve descaso?
Ele passou 1 ano e pouco sendo protegido, mas, como era um político e estava sempre denunciando as coisas erradas, indo para programas de rádios e para todos os cantos, acharam por bem tirar a escolta. Eles disseram, na época, que não podiam ir para os lugares com ele. Aí, aconteceu o que aconteceu.

4 – Por que vocês querem que a investigação sobre a morte dele passe para a Polícia Federal?
É que assim ela fica mais isenta. Tem um grupo de policiais laranjas podres aqui. Gente que polui o meio. Veja bem, eu estou de cama e, depois de ver meu filho morrer do jeito que ele morreu, depois de ver as fotos, quis falar. Queria contar o que ele vinha fazendo e as ameças, mas tive que brigar para ser ouvida. Quero que a investigação seja federalizada. Confio na Polícia Federal, confio no presidente e no governador.

5 – Como foi o encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? O que ele disse para senhora?
De mãozinha dada comigo, ele prometeu que tudo o que pudesse fazer, ele faria para o caso ser federalizado. Ele disse que esse iria ser o primeiro caso, a prioridade, ele prometeu. Tenho muita fé em Deus e peço muito por Justiça. Meu filho era íntegro. Era tão correto que, quando meu filho mais novo, que é arquiteto, estava desempregado, ele não quis arranjar emprego porque achava errado colocar família na política.

6 – Se soubesse que ele seria morto, a senhora tentaria convencê-lo a deixar de investigar grupos de extermínio?

Dei muitos conselhos a ele. Falei até para ele sair da cidade em que morava, mas no trabalho eu nunca dei conselho. Ele estava fazendo o certo e não o errado. Estava defendendo os pobres, lutava pelos direitos humanos, pelos menos favorecidos. Ele não visava dinheiro, mas honestidade. Era um homem correto e foi isso o que eu ensinei para ele. Não podia pedir que parasse, tinha que incentivá-lo. Apesar da minha dor, sei que ele morreu como uma pessoa boa.

7 – As investigações apontaram mais de 200 execuções de 2006 a 2009 e envolvimento de diversas autoridades. Como o grupo chegou a ter tanto poder?
Tem dono de engenho, prefeito, deputado federal, gente de alta patente, juiz, promotor. Sei de preso que foi almoçar com um comandante em uma churrascaria. A gente só tem força de lutar porque tem apoio de dois deputados federais, o Luiz Couto (PT/PB) e o Fernando Ferro (PT/PE) (Nota da redação: Manoel Mattos foi assessor do deputado Fernando Ferro)

8 – Os dois deputados também foram ameaçados e estão sem proteção. Conversei com o delegado da Polícia Federal, Marinaldo Moura, que disse que é difícil manter agentes com eles por não ter recursos sobrando. Ele defende que isso é obrigação da Polícia da Câmara.
Acho errado. Os dois estão batalhando e deveriam ter proteção da Polícia Federal. E eu também não tenho proteção. Ninguém nunca veio me perguntar se eu precisava ser protegida.

9 – Uma das principais propostas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Extermínio é de penas mais duras para quem formar grupos paramilitares ou milícias para exterminar pessoas. O que mais pode ser feito?
É preciso colocar polícia bem equipada na rua, mas policiais com letra maiúscula. Tem gente direita de farda também. É preciso valorizar quem
é correto.

10 – Dá para comparar os grupos que atuam em Pernambuco e na Paraíba com as milícias do Rio de Janeiro?
No Rio de Janeiro não sei se eles têm os grandes por trás. Aqui, até gente de patente alta faz parte do grupo. Fica mais difícil de lutar, mas não vou perder minha força. Vou até o fim. Só desisto se me matarem. Confio em Deus.

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