terça-feira, 5 de maio de 2009

Entrevista: Marcelo yuka - “Muro em favela é fascismo”

Marcelo yuka - "Muro em favela é fascismo"
Por Daniel Santini
daniel.santini@folhauniversal.com.br


Marcelo Yuka não mexe as pernas desde 2000. Quando era baterista da banda O Rappa, o músico foi baleado em uma falsa blitz policial no Rio de Janeiro. Levou três tiros, um dos quais em uma vértebra. Em fevereiro de 2009, sofreu outro assalto. Paralítico, foi arrancado do carro e jogado na rua. Yuka tem tudo para sentir raiva e defender medidas duras contra a criminalidade, muros em favelas e caveirões. Nesta entrevista exclusiva, porém, o artista analisa a crise de segurança pública no Rio de Janeiro com equilíbrio e demonstra coerência com o trabalho que faz de crítica social e combate à violência. Ele chama atenção para a fragilidade da política de repressão pura e simples, fala do protesto em frente à feira de equipamentos militares ocorrida mês passado no Rio e afirma que são os condomínios de luxo, e não as favelas, que crescem sobre reservas ambientais. Na cadeira de rodas, Yuka caminha mais do que muita gente.

1 – O que acha dos projetos de muros para cercar favelas no Rio de Janeiro?
Primeiro, está mais do que provado que existe mais avanço de casas de padrão classe média e de ricos em áreas de reserva do que crescimento de favelas. A do morro Dona Marta regrediu de tamanho nos últimos 10 anos. A meu ver, esse paredão é mais uma atitude fascista. O muro é opressivo e remete a uma fase vergonhosa da história da gente. Lembra o muro que separou a Alemanha. Vivemos uma sequência de ações que só oprimem o pobre.

2 – Como conter então o crescimento das favelas?
O Brasil precisa de soluções criativas para seguir crescendo demograficamente. Dá para criar uma arquitetura popular de habitações em que um pavimento serve de base para o crescimento familiar, uma base vertical. Na comunidade da Maré tem prédios de até três andares feitos de tijolinhos, projetados por um arquiteto grego que se influenciou pela arquitetura natural do povo brasileiro. Se a gente endossasse essas soluções a situação seria mais tranquila. É algo mais inteligente do que o muro.

3 – E como vê a política de segurança pública do Estado?
O combate à violência ficou fora de controle. Um caveirão não possui armas precisas, em que se pode escolher tecnicamente entre (atirar em) um traficante ou um cidadão comum. Aliás, não temos penas de morte oficializadas no Brasil. O traficante deveria ser levado vivo. É uma questão de lei e também de inteligência policial. Vivo ele pode falar, tem muito mais chances de saber como funciona o sistema. O problema é que o narcotráfico é mantido por gente da própria polícia e por autoridades judiciárias e políticas. Não interessa a eles que o bandido esteja vivo para falar.

4 – Pesquisas indicam que parte da população apoia os muros e uma política de choque em favelas. O que pensa disso?
O Governo e algumas pessoas se promovem em cima da falta de informação. É um problema antigo. Atitudes populistas divulgadas pelo Governo em certos jornais e mídias de direita ganham respaldo mesmo, principalmente entre quem é desinformado. E além do papel de uma certa mídia, falta educação em lugares com índices mais altos de violência.

5 – A educação pode ser uma arma no combate à violência?
Lógico; no entanto, o único braço do Estado que é visto nas comunidades é o braço opressor, o que entra trocando bala com bala e botando todos, inclusive a polícia, no fogo cruzado. Não tem educação.

6 – Como foi protestar contra a feira de equipamentos militares?
Foi algo natural. Promover uma feira internacional de armas no Rio de Janeiro nos dias de hoje é algo, no mínimo, inconsequente. A iniciativa não visa à proteção do cidadão, visa apoiar as fábricas do produto que mais dá dinheiro no mundo, que é a arma. É mais uma posição infeliz do Governo e dessa coligação com o Município. Minha manifestação é uma das únicas coisas que eu, como homem, poderia fazer. Sou totalmente contra armas.
7 – Você passou por dois assaltos com traumas sérios e, mesmo assim, mantém o equilíbrio. A que se deve essa militância contra a violência?
Fui criado nos dois lados da cidade e isso me deu informação suficiente. Sou um cara do subúrbio, de uma das últimas estações de Campo Grande, mas que pôde fazer faculdade da zona sul. Isso me deu equilíbrio. Além disso, você não precisa de muitas noções políticas, sociais e históricas para saber que o que esse Governo está fazendo é errado. Não é um grande achado. A única diferença é que sou um dos pouquíssimos artistas que usam a mídia que têm para falar sobre isso.

8 – Como assim?
Hoje, se mata mais do que no período (da Ditadura) Militar. Aí vem a mídia falar 'ah, fulano mantém um asilo de velhinhos, sicrano...' Não estou interessado nisso porque talvez isso não seja mais que obrigação. Não faço o que faço porque se eu der dinheiro para criancinha vou dormir com a cabeça mais calma no travesseiro. Faço isso porque para mim é o único caminho, a única maneira de se ter Justiça.

9 – Você tem uma organização não-governamental que atua com presos. Como vê a situação penitenciária atual?
O sistema atual foi implementado na Ditadura Militar com uma ideia de que justiça é castigo. Esse é o grande perigo. É só ver a delegacia de Médici, em Niterói, que tem quase 800 pessoas onde caberiam 200. A sociedade está pouco se lixando. Não observam que isso também é transgredir a lei. Os homens que estão confinados feito lixo têm direitos sociais. Não sou adepto de nenhuma Igreja, nem da Universal nem de nenhuma outra, mas vejo como a religião é presente de maneira positiva entre os presos. É uma coisa muito complicada, mas estou aqui para admitir. Não é propaganda da Universal, mas a única igreja que vejo no presídio onde trabalho é essa.

10 – E quanto à carreira artística?
Cogita voltar para O Rappa?
Nenhuma chance. Virei a página e estou cada vez mais feliz. Estou fazendo um disco novo que se divide em dois momentos – um com o Marcelo ativista e o outro com o Marcelo que aprendeu a controlar a depressão, a melhorar a qualidade de vida fazendo meditação. Não sei onde vai dar, mas tenho que me expressar. Não vou passar a ser um músico frustrado porque vendo pouco. Sou um músico realizado porque faço o que quero.

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